O PT abriu uma frente de comunicação em São Paulo com um alvo claro: Tarcísio de Freitas. Em novas peças publicitárias de TV, o partido associa o governador a Jair Bolsonaro e a Donald Trump, diz que ele está “do lado dos bilionários” e aponta ações do governo paulista que, na avaliação petista, pesam no bolso do cidadão. O tom é eleitoral, mesmo sem pedir voto: pedágios que chegam a R$ 38,70 e a privatização da Sabesp protagonizam o roteiro.
Na propaganda, o PT sustenta que a gestão paulista favorece grandes interesses enquanto o governo federal “faz obra estruturante”, amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha menos e “negocia com o mundo para proteger empregos”. Ao contrapor os dois projetos, a peça tenta colar em Tarcísio a imagem de um governante alinhado a agendas liberais duras, com custo social alto.
O tema Sabesp é o pivô da ofensiva. O governo de São Paulo celebrou a privatização como vitrine: o leilão e a reestruturação em 2024 vieram acompanhados, segundo o Palácio dos Bandeirantes, de compromissos de investimento de R$ 69 bilhões até 2029 e R$ 260 bilhões até 2060. O discurso oficial é que, com capital privado e metas rígidas, água e esgoto chegarão mais rápido a quem não tem. O PT rebate com a experiência do usuário: “a conta subiu e chega na data, mas a água, nem sempre”.
Por que essa campanha agora? Porque Tarcísio cresceu nacionalmente e hoje ocupa o espaço que a direita precisava depois do enfraquecimento de Bolsonaro no âmbito judicial. Dentro do governo Lula, a ordem é calibrar o embate: o presidente admite que o paulista pode ser adversário em 2026, mas evita ataques frontais para não inflá-lo fora do estado. Ministros próximos, como Rui Costa e Gleisi Hoffmann, não têm a mesma cautela e já chamaram o governador de “desequilibrado” e de defender “traidores da pátria”.
Há também um cálculo regional. São Paulo é o maior colégio eleitoral do país e virou laboratório de narrativas. Se o PT conseguir desgastar Tarcísio em temas sensíveis no cotidiano — tarifa de pedágio, conta de água, interrupções no fornecimento —, abre caminho para furar a bolha antipetista no estado e empurra a direita para o terreno defensivo.
A privatização da Sabesp é a peça central da estratégia de Tarcísio. O governo promete antecipar metas do novo marco do saneamento, que exige universalização de água e esgoto até 2033 (com margens de prorrogação). Com a entrada de investimentos e a mudança na governança, a gestão argumenta que haverá ganho de eficiência, redução de perdas e ampliação rápida de ligações, sobretudo na periferia e em cidades médias. A oposição, porém, foca no curto prazo: temor de reajustes, atendimento falho em picos de consumo e a troca de prioridades para a lógica do lucro.
As duas leituras têm implicações diretas na vida real. Tarifas de saneamento são reguladas e passam por revisões definidas por agências, com espaço para reequilíbrios contratuais. Em outras palavras: o preço final vai depender de metas, custos e auditoria regulatória. O PT explora o efeito imediato na percepção do usuário; o governo estadual vende a ideia de que, com mais obra e menos perda de água, a tarifa pode ficar mais previsível no futuro. No meio disso, consumidores cobram transparência nos indicadores de qualidade, metas de universalização bairro a bairro e um cronograma de obras verificável.
No caso dos pedágios, a propaganda do PT fala em “pedágio mais caro do país” e cita preços chegando a R$ 38,70 em trechos específicos. São Paulo tem a rede de concessões rodoviárias mais extensa do Brasil, com contratos de longo prazo, gatilhos de obras e reajustes atrelados a índices de inflação. Em anos de alta de custos e reequilíbrios, as praças mais movimentadas ficam no centro do debate. A gestão Tarcísio sustenta que novos contratos trazem mais investimentos, duplicações e tecnologia, e que a qualidade das vias e a redução de acidentes compensam parte do custo. Já o usuário sente o impacto no bolso imediatamente, sobretudo quem depende da rodovia para trabalhar.
A associação com Trump e bilionários não é casual. É um enquadramento político: o PT tenta colocar Tarcísio no mesmo campo simbólico de agendas pró-mercado e de contrarreformas sociais, algo que mobiliza a base petista e setores do centro-esquerda. O governo paulista, por sua vez, busca se apresentar como gestor técnico, pró-eficiência e “anti-ideológico”, defendendo privatizações, concessões e parcerias como caminho para destravar obras e serviços.
O pano de fundo é 2026. Se decidir concorrer ao Planalto, Tarcísio terá de deixar o governo em 2026 para cumprir a legislação eleitoral. Se ficar, consolida o berço político em SP e mantém aberto o caminho para 2030. Do outro lado, o PT trabalha para escolher o adversário desde já — e fixar nele os temas que pretende discutir na campanha nacional. Água que falta, pedágio que sobe e tarifa que aperta formam um tripé de fácil comunicação.
Tem ainda a questão jurídica da comunicação partidária. A legislação permite propaganda partidária em rádio e TV, desde que não haja pedido explícito de voto nem antecipação de campanha. O tom comparativo entre gestões e a crítica a políticas públicas cabem nesse espaço, mas peças assim costumam ser alvo de questionamentos na Justiça Eleitoral. Se houver excesso, partidos rivais podem acionar o TSE pedindo direito de resposta ou punições.
Enquanto isso, o tabuleiro segue se movendo. Prefeitos e vereadores de 2024 já testam discursos que devem voltar em 2026. Nas redes, o embate tende a ser ainda mais duro do que na TV. E, no dia a dia do cidadão, a régua continuará simples: a água chega? A conta cabe no orçamento? O pedágio come quanto do salário? É nesse terreno concreto que o PT quer enfrentar Tarcísio — e é aí que o governador pretende provar que sua agenda de mercado entrega resultado.